Santificados? Ou ainda carnais?

"Sois vós tão insensatos que, tendo começado pelo Espírito, acabeis agora pela carne?" Gálatas 3:3

Há um problema em comum quando vemos as inúmeras doutrinas humanas cujo ponto de partida é a legítima busca pela santificação. Ao acrescentar mitos, rituais, adorações "extrabíblicas" ou procedimentos alheios ao texto das Escrituras inspiradas pelo Senhor, notamos que o ímpeto a movê-las não é espiritual e sim carnal.

Há um grupo de cristãos, por exemplo, que fazem "limpezas espirituais" esquecendo que não há outra limpeza que não do batismo nas águas para  remissão dos pecados. O problema é esse: a criação de um suposto procedimento de purificação acaba tomando o lugar do único e bíblico procedimento: justamente o batismo por imersão nas águas.

É, pois, necessário dizer: toda vez que criamos uma noção de santidade não contemplada e provada na Bíblia, estamos enfraquecendo o poder que o Evangelho tem sobre nós pois ele é a única força espiritual capaz de mudar a natureza do ser humano.

Mas quais podem ser os sinais a nos indicar que estamos no caminho contrário àquele tão buscado e santificador? Tomemos alguns exemplos:

São milhares os jovens que tocam instrumentos musiciais ou usam a voz em louvores que se transformaram em verdadeiros shows midiáticos liderados  por "bispos", "pastores", "pastoras" e lideres religiosos. O problema é que, neste caminho, sobram louvores para si próprios e falta a autêntica homenagem a Deus. Acredito que, até sem querer, acabamos por viver num círculo de vaidades e não percebemos que o motivo do louvor, o Deus da Bíblia, fica em segundo plano perante o sucesso e o frenesi em torno do artista que costuma ser também, o próprio líder espiritual de tal Igreja. Se não é, pode vir a sê-lo.

É que fulano tem o "dom", beltrano é "inspirado" por Deus. Ciclana "profetiza" em nome de Jesus. O mais comum e perigoso é que, sem entrar neste momento em considerações bíblicas que desaprovam estas doutrinas baseadas em dons e profecias (assim como o falar em línguas), o mais perigoso é que acabamos por acreditar naquilo que dizem a nosso respeito e assim vamos nos distanciando do Pai. Colocamos a nossa fé no espelho que reflete um bem sucedido e confortável cristão e não em Jesus e os discípulos martirizados.

Ao invés de contemplarmos um homem em dúvida, vemos um homem convicto de seu próprio sucesso como cristão em serviço ao Criador. Que enganosa pode ser essa imagem.

A pergunta que devemos fazer é: estamos tomando decisões baseados na vontade de Deus ou baseados numa aparente vontade de Deus, baseada, por sua vez, em nossos próprios desejos?

Estamos escolhendo caminhos em linha com a Palavra de Deus ou estamos escolhendo caminhos norteados por supostas revelações divinas?

Se estamos fazendo coisas contra a nossa vontade, é um bom sinal. E se estamos sofrendo por Cristo, também. Isso indica que estamos conseguindo superar a Carne, a vaidade, os desejos enganosos que provêm do coração humano e não de Deus. Mas se estamos fazendo coisas de acordo com o que desejamos, vale um alerta: será que Deus está mesmo nessa decisão?

Em outras palavras, nossas vidas se assemelham, guardadas as proporções das circuntâncias como local e tempo, a homens como Estevão, Paulo e Pedro? Ou nosso comportamento e crenças estão nos transformando no oposto deles? Ao invés de alegres pelo sofrer com e por Cristo, felizes por realizar nossas próprias aspirações no âmbito de uma congregação.

Essa ponta de dúvida é fundamental para que possamos parar e refletir sobre o que estamos fazendo. A compra de carros, de apartamentos, uma suposta "evolução" na vida, a nos deixar preenchidos, podem esconder uma tragédia: em busca da santificação, acabamos atraídos pela carnalidade embutida em todas essas conquistas.

O conforto, os cada vez mais elevados padrões de vida, os elogios, o espelho cada vez mais brilhante não estão a nos mostrar essa danosa distância em relação aos que sofreram por Cristo?

Ora, se devemos ser santos porque Ele é Santo (Lv 20:26), não há uma gritante e afrontosa desconexão entre o modelo cristão dos primeiros apóstolos e o nosso comportamento? Sob o nosso próprio engrandecimento e sucesso, ainda que inseridos numa Igreja, não estamos fazendo e sendo exemplos daquilo que criticamos tanto entre os mundanos?

Precisamos responder a esta pergunta voltando para o espelho. Mas com uma Bíblia nas mãos aberta em 2 Coríntios 11:23-27, que diz:

"São ministros de Cristo? (falo como fora de mim) eu ainda mais: em trabalhos, muito mais; em açoites, mais do que eles; em prisões, muito mais; em perigo de morte, muitas vezes. Recebi dos judeus cinco quarentenas de açoites menos um. Três vezes fui açoitado com varas, uma vez fui apedrejado, três vezes sofri naufrágio, uma noite e um dia passei no abismo; Em viagens muitas vezes, em perigos de rios, em perigos de salteadores, em perigos dos da minha nação, em perigos dos gentios, em perigos na cidade, em perigos no deserto, em perigos no mar, em perigos entre os falsos irmãos; Em trabalhos e fadiga, em vigílias muitas vezes, em fome e sede, em jejum muitas vezes, em frio e nudez."